A inconstitucionalidade da incidência do Imposto de Renda sobre indenizações pagas por liberalidade do empregador

Artigo Publicado em 02 de janeiro de 2014
por Luiz Eduardo de Almeida
Advogado e Professor
Artigo – Federal – 20143390

1- INTRODUÇÃO

Neste artigo será apresentada análise da constitucionalidade da incidência do Imposto de Renda sobre indenizações pagas por liberalidade do empregador em razão de rescisão de contrato de trabalho.

Não se ignora o posicionamento consolidado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça sobre assunto – no sentido da legalidade da incidência -, inclusive no regime dos recursos repetitivos.

No entanto, propomos neste artigo a análise da questão sob o prisma do conceito constitucional de renda construído pelo Supremo Tribunal Federal. Para isso, toma-se o pressuposto de que há efetiva natureza indenizatória.

2 – FEIXE NORMATIVO-CONSTITUCIONAL APLICÁVEL À DEFINIÇÃO DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA – ART. 153, III E §1º E 2º E ART. 24, I DA CRFB

O conceito constitucional de renda serve de objeto paradigma para o controle de constitucionalidade no presente caso, e, como se verá a seguir, é construído a partir da norma que fixa a competência tributária da União para instituir imposto sobre “renda e proventos”, ou seja, o artigo 153, III da Constituição da República, o qual pedimos vênia para transcrever:

Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
[…]
III – renda e proventos de qualquer natureza;
[…]
§ 1º – É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V.
§ 2º – O imposto previsto no inciso III:
I – será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, na forma da lei;

A interpretação do enunciado normativo, nesse ponto inicial, e ao que interessa ao presente artigo, permite vislumbrar (i) a fixação da competência tributária da União para instituir imposto sobre rendas e proventos de qualquer natureza, bem como (ii) a competência legislativa infraconstitucional para regular os “critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade”.

Desse modo, não há determinação constitucional para a fixação de reserva legal para definir renda, ou seja, o conceito de renda é constitucional e as regulamentações e eventuais restrições infraconstitucionais devem ser verticalmente compatíveis.

Além disso, a competência legislativa da União está fixada no artigo 24, I da CRFB:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
I – direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;
[…]

3 – FEIXE NORMATIVO INFRACONSTITUCIONAL – ART. 6º, V DA LEI 7.713/1988, E ART. 39, XX DO DECRETO 3000/1999 (“RIR/99”)

Há lei especial que regula o Imposto de Renda em relação a indenizações relacionadas a rescisão de contrato de trabalho, que serve de objeto controlado para o controle de constitucionalidade.

Lei nº 7.713, de 1988, no artigo 6º, inciso V, determina:

Art. 6º Ficam isentos do imposto de renda os seguintes rendimentos percebidos por pessoas físicas:
[…]
V – a indenização e o aviso prévio pagos por despedida ou rescisão de contrato de trabalho, até o limite garantido por lei, bem como o montante recebido pelos empregados e diretores, ou respectivos beneficiários, referente aos depósitos, juros e correção monetária creditados em contas vinculadas, nos termos da legislação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço;
[…]

Há regulamentação do dispositivo legal no artigo 39, XX do Decreto nº 3000/1999 (“RIR/99”):

Art. 39. Não entrarão no cômputo do rendimento bruto:
[…]
XX – a indenização e o aviso prévio pagos por despedida ou rescisão de contrato de trabalho, até o limite garantido pela lei trabalhista ou por dissídio coletivo e convenções trabalhistas homologados pela Justiça do Trabalho, bem como o montante recebido pelos empregados e diretores e seus dependentes ou sucessores, referente aos depósitos, juros e correção monetária creditados em contas vinculadas, nos termos da legislação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS (Lei nº 7.713, de 1988, art. 6º, inciso V, e Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990, art. 28);
[…]

Equivocadamente, como se verá no próximo item, o dispositivo legal e sua regulamentação inserem indenizações referentes a rompimentos do contrato de trabalho no âmbito da isenção, o que é inconstitucional.

4 – ELEMENTOS PARA A CONSTRUÇÃO DA INCONSTITUCIONALIDADE

O conceito constitucional de renda em conjunto com elementos específicos que integram o estatuto constitucional do contribuinte são elementos que constroem a interpretação que conduz à inconstitucionalidade da incidência do Imposto de Renda sobre as indenizações tratadas neste artigo.

4.1 – O CONCEITO CONSTITUCIONAL DE RENDA

A matriz constitucional do imposto de renda, especificada no artigo 153, III da Constituição da República, fixa a competência tributária da União para instituir imposto sobre “renda e proventos de qualquer natureza”. Portanto, nesse ponto, limita a competência tributária da União a instituir e exigir tributo sobre a renda e os proventos, não lhe sendo permitido instituir a exação sobre outras bases, e, do mesmo modo, exigi-la.

A construção do conceito constitucional de renda parte dessa limitação de competência, já que o conjunto normativo infraconstitucional não poderá subverter o seu conteúdo, pretendendo transformar em “renda” o que de fato não é. Há, desse modo, um limite constitucional que, ao definir a competência tributária, limita o âmbito de incidência do imposto.

Nesse sentido o Min. Moreira Alves relatou o Recurso Extraordinário 188.684/SP, cuja ementa pedimos vênia para transcrever:

Imposto de renda. Incidência na fonte sobre o pagamento de férias não gozadas por servidor estadual em virtude de necessidade de serviço.

– Saber se indenização é, ou não, renda, para o efeito do artigo 153, III, da Constituição, é questão constitucional, como entendeu o acórdão recorrido, até porque não pode a Lei infraconstitucional definir como renda o que insitamente não o seja. No caso, porém, ainda que se entendesse, como entende o recorrente, que o critério para caracterizar determinado valor como renda é legal, e que, no caso, teria havido ofensa ao artigo 3º da Lei 7.713/88, esse entendimento não lhe aproveitaria, porquanto o Superior Tribunal de Justiça não conheceu do recurso especial, nestes autos, no qual se alegava, entre outras violações, a concernente a esse dispositivo legal, e dele não conheceu por entender que “não incide o imposto de renda sobre o pagamento de férias não gozadas por necessidade de serviço, em razão do seu caráter indenizatório.

– Nesse sentido decidiu esta 1ª Turma, ao julgar o RE 195.059. Recurso não conhecido.

Recentemente verifica-se que o Supremo Tribunal Federal mantém essa posição, admitindo que renda é conceito/questão constitucional limitador da legislação infraconstitucional.

O Min. Joaquim Barbosa, relator do Recurso Extraordinário nº 611.586 – Paraná, reconhecendo a Repercussão Geral da questão, consignou:

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE A RENDA E PROVENTOS DE QUALQUER NATUREZA. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO LÍQUIDO. PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS DEVIDOS POR EMPRESAS ESTRANGEIRAS ÀS PESSOAS JURÍDICAS SEDIADAS NO BRASIL. CONTROLADAS E COLIGADAS. MOMENTO EM QUE SE APERFEIÇOA O FATO JURÍDICO TRIBUTÁRIO. CONCEITO CONSTITUCIONAL DE RENDA. CONCEITOS DE DISPONIBILIDADE JURÍDICA E DE DISPONIBILIDADE ECONÔMICA DA RENDA. MÉTODO DA EQUIVALÊNCIA PATRIMONIAL (MEP). ART. 43 DO CTN. MP 2.158-34/2001 (MP 2.135-35/2001). ART. 248, II DA LEI 6.404/1976. ARTS. 145, §1º, 150, III, A e 153, III DA CONSTITUIÇÃO.
1.Nos termos do disposto no art. 153, III, da CF/88, e no art. 43 do CTN, o âmbito material de incidência do Imposto de Renda é a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; e de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no conceito de renda.
[…]
[…] essa controvérsia lida com dois valores constitucionais relevantíssimos. De um lado, há a adoção mundialmente difundida da tributação em bases universais, aliada à necessidade de se conferir meios efetivos de apuração e cobrança à administração tributária. Em contraponto, a Constituição impõe o respeito ao fato jurídico tributário do Imposto de Renda, em garantia que não pode ser simplesmente mitigada por presunções ou ficções legais inconsistentes.

Considerando que foi reconhecida a repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal reafirmou que a Constituição impõe limite ao fato jurídico-tributário do Imposto de Renda, ou seja, “renda e proventos”, tratando-a como “garantia” contra o legislador infraconstitucional ao limitar a atividade legiferante.

No julgamento do Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 422.944 – Minas Gerais, também relatado pelo Min. Joaquim Barbosa, foi reconhecido o conceito constitucional de renda, porém, foi destacado que a questão posta tratava da “legislação infraconstitucional [que] permite a dedução dos valores de recebimento duvidoso da base de cálculo do imposto sobre a renda”, e que o recorrente pretendia “a dedução integral e imediata” de tais valores, o que depende da verificação de “aproximadamente treze condicionantes” tratadas na legislação infraconstitucional. Além disso, constou na decisão:

Desde que exista mecanismo de calibração da carga tributária na hipótese de o valor econômico do negócio não se realizar, inexiste violação apriorística do conceito constitucional de renda.

Apesar da decisão não ser favorável à pretensão deduzida pelo contribuinte – pois patentemente versa sobre elementos infraconstitucionais fixados com fundamento na reserva legal simples contida no artigo 153, §2º da CRFB -, ela fornece parâmetros a serem considerados: (i) admite o conceito constitucional de rendas, e estabelece que (ii) o conceito constitucional de rendas não será violado de forma direta (aprioristicamente) quando a legislação infraconstitucional regula “mecanismo de calibração tributária”.

Analisando a incidência de Imposto de Renda sobre questões que possuem pontos de semelhança com a questão analisada neste artigo – não incidência de imposto de renda sobre indenizações -, o Supremo Tribunal Federal admitiu a aplicação do conceito constitucional de rendas, porém, não o aplicou em razão de óbices processuais. Vejamos.

O Min. Cezar Peluso foi relator na Repercussão Geral em Agravo de Instrumento 705.941 – São Paulo, onde a repercussão geral não foi reconhecida. Constou na decisão:

Não há questão constitucional.
O objeto do recurso extraordinário trata da definição da natureza jurídica (indenizatória ou salarial) das verbas rescisórias, para fins de incidência de Imposto de Renda. Versa matéria de índole infraconstitucional.
É que o acórdão impugnado decidiu a causa com base na legislação infraconstitucional incidente (art. 43 do CTN), de modo que eventual ofensa à Constituição seria, aqui, apenas reflexa.

Colhe-se da decisão e especialmente do trecho destacado que se trata de óbice processual, ou seja, a questão constitucional não foi verificada em razão da análise somente infraconstitucional realizada pelo Tribunal recorrido.

De modo semelhante, a decisão do Min. Joaquim Barbosa no Ag.Reg. no Agravo de Instrumento 767.161 – São Paulo.

O Tribunal de origem entendeu que os valores recebidos pela parte ora agravante por ocasião da rescisão de seu contrato de trabalho adviriam de cláusula penal, tendo natureza de multa, não de indenização, sendo devida a tributação pelo Imposto de Renda (fls. 240-241).
Na forma como examinada a questão e versadas as razões de recurso extraordinário e de agravo regimental, é impossível chegar à conclusão diversa sem reexame preponderante de cláusulas contratuais e da legislação infraconstitucional, o que atrai o óbice das Súmulas 454 e 636/STF.

Nesta decisão, e especialmente do trecho destacado, verifica-se presente óbice processual, na medida em que a questão não foi analisada em razão da necessidade de reexame de matéria probatória e legislação infraconstitucional.

Considerando esses pontos, o Supremo Tribunal Federal admite o conceito constitucional de renda como limitador da atividade legiferante, ou seja, é um limitador da competência legislativa-tributária da União (art. 153, III e 24, I da CRFB), especialmente sobre o aspecto material do Imposto de Renda, ou seja, como limitador da atividade de definição de “renda e proventos de qualquer natureza”. Admitir tais limites significa admitir a realização do controle da constitucionalidade dos atos infraconstitucionais que deles desbordem.

4.2 – A VIOLAÇÃO AO ESTATUTO CONSTITUCIONAL DO CONTRIBUINTE

É forçoso reconhecer flagrantes contrariedades a direitos que integram o Estatuto Constitucional dos Contribuintes na hipótese analisada. Há relevante manifestação do Min. Celso de Mello, em seu voto na ADI 4661, sobre os elementos do “Estatuto Constitucional do Contribuinte”:

A necessidade de preservação da incolumidade do sistema consagrado pela Constituição Federal não se revela compatível com pretensões fiscais contestáveis do Poder Público, que, divorciando-se dos parâmetros estabelecidos pela Lei Magna, busca impor ao contribuinte um estado de submissão tributária absolutamente inconveniente com os princípios que informam e condicionam, no âmbito do Estado Democrático de Direito, a ação das instâncias governamentais. Bem por isso, tenho enfatizado a importância de que o exercício do poder tributário, pelo Estado, deve submeter-se, por inteiro, aos modelos jurídicos positivados no texto constitucional, que institui, em favor dos contribuintes, decisivas limitações à competência estatal para impor e exigir, coativamente, as diversas espécies tributárias existentes.
(STF, ADI 4661, Rel. Min Marco Aurélio Mello)

No presente caso, além do disposto no artigo 153, III da CRFB já referido, há lesão especificamente ao Estatuto Constitucional dos Contribuintes por contrariedade aosartigos 145, §1º e 150, I e V da CRFB.

Há ausência de capacidade contributiva do empregado, contrariando o disposto no artigo 145, § 1º da CRFB, já que os eventuais valores recebidos a título de indenização, por apenas recomporem a injusta perda de um direito, não revelam capacidade contributiva.

Também há evidente caráter confiscatório, de modo que tal incidência contraria a regra contida no art. 150, inciso IV, da CRFB, pois tributo com efeito de confisco é aquele sentido como penalidade, na medida em que extrapola a real materialidade de sua incidência (1).

E, não se pode deixar de mencionar que a limitação à exigência ou aumento de tributo de acordo com lei, refere-se, à lei verticalmente compatível com as determinações da Constituição. Caso se admita o império da lei tributária sem se vincular aos requisitos constitucionais, elevando a legalidade em detrimento da constitucionalidade, se instalaria um paradoxo. Tal paradoxo consiste em o disposto no artigo 150, I da CRFB desautorizar todos os demais limites e garantias também estabelecidos na CRFB. Desse modo, para o presente caso, a exigência de tributo com fundamento em lei inconstitucional contraria o disposto no artigo 150, I da CRFB.

4.3 – A INCONSTITUCIONALIDADE DA INCIDÊNCIA DO IMPOSTO DE RENDA SOBRE INDENIZAÇÕES PAGAS POR LIBERALIDADE DO EMPREGADOR EM RAZÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO DE TRABALHO

Especialmente para a análise que interessa ao presente caso, os dispositivos inconstitucionais são: o artigo 6º, inciso V da Lei nº 7.713/1988 e o artigo 39, XX do Decreto nº 3000/1999 (“RIR/99”).

Tais dispositivos, em relação ao Imposto de Renda, determinam: (i) a isenção de (ii) indenização (iii) paga por despedida ou rescisão de contrato de trabalho (iv) até o limite garantido por lei.

Ao inserir as indenizações no âmbito da isenção do Imposto de Renda, o legislador infraconstitucional tratou-as como inseridas no âmbito da sua competência tributária, ou seja, o legislador definiu que indenizações em razão de despedida ou rescisão de contrato de trabalho são renda. E, considerando-as renda, isentou-as do respectivo imposto quando pagas até o limite garantido por lei (segundo a Lei nº 7.713/1988) ou por dissídio coletivo e convenções trabalhistas homologados pela Justiça do Trabalho (segundo o RIR/99).

No entanto, “indenização” não é “renda”, o que afronta o conceito constitucional de renda construído pelo Supremo Tribunal Federal.

Desse modo, o artigo 6º, inciso V da Lei nº 7.713/1988 e a sua consequente regulamentação no artigo 39, XX do Decreto nº 3000/1999 (“RIR/99”), contrariam as normas do artigo 153, III da Constituição da República, subvertendo o conceito constitucional de renda ao definir indenização paga em razão de despedida ou rescisão de contrato de trabalho como renda.

Importante destacar que não se está ampliando a interpretação de norma isentiva, ou seja, não se pretende estender a “isenção” aos demais casos. Está-se indicando a incompatibilidade vertical da norma infraconstitucional que trata da isenção de indenizações pagas até o limite legal, e, consequentemente, determina a incidência do imposto sobre indenizações pagas acima de tal limite, com o conceito constitucional de renda. Afinal, não é possível isentar fatos não inseridos em sua competência tributária. As indenizações não sofrem a incidência do Imposto de Renda, e, desse modo, não podem ser isentas.

Desse modo, o dispositivo legal subverte o conceito constitucional de renda, dando tratamento de renda ao que, de fato e por definição, não é.

Convém observar a posição de Roque Antônio Carrazza sobre o assunto:

[…] não é qualquer entrada de dinheiro nos cofres de uma pessoa (física ou jurídica) que pode ser alcançada pelo IR, mas, tão-somente, os “acréscimos patrimoniais”, isto é, “a aquisição de disponibilidade de riqueza nova”, como averba, com precisão, Rubens Gomes de Sousa. Tudo que não tipificar ganhos durante um período, mas simples transformações de riqueza, não se enquadra na área traçada pelo art. 21, IV, da CF.
É o caso das indenizações. Nelas, não há geração de rendas ou acréscimos patrimoniais (proventos) de qualquer espécie. Não há riquezas novas disponíveis, mas reparações, em pecúnia, por perdas de direitos.
Na indenização, como todos aceitam, há compensação, em pecúnia, por dano sofrido. Em outros termos, o direito ferido é transformado numa quantia de dinheiro. O patrimônio da pessoa lesada não aumenta de valor, mas simplesmente é reposto no estado em que se encontrava antes do advento do gravame (status quo ante).
Em apertada síntese, na indenização inexiste riqueza nova. E, sem riqueza nova, não pode haver incidência do IR ou de qualquer outro imposto da competência residual da União (neste caso, por ausência de indício de capacidade contributiva).
Assim, conquanto reinem dúvidas sobre o significado, o conteúdo e o alcance da expressão ‘renda e proventos de qualquer natureza’, a doutrina e a jurisprudência de há muito vêm entendendo que ela não compreende as importâncias percebidas a título de indenização. A respeito, já se pacificaram as inteligências, motivo pelo qual julgamos dispensável ampliar estas considerações. Enfim, as indenizações não são – e nem podem vir a ser – tributáveis por meio de IR […]
[…] não é tributável por via do imposto sobre a renda, é de todo indiferente tenha o legislador federal considerado “isentas” deste tributo apenas algumas indenizações. Todas elas (as mencionadas e as não mencionadas na legislação específica) estariam à salvo do tributo. (2)

Complementando a citação, o mesmo autor é enfático:

Observamos, por outro lado, ser irrelevante a circunstância de a legislação do IR não isentar a maior parte das indenizações. É que estas, sendo simples transformações de riqueza, naturalmente refogem à incidência do tributo em tela. De fato, não gerando acréscimos patrimoniais a quem as recebe, colidem com os conceitos de renda e proventos, inexistindo, destarte, fundamento jurídico para que lei isentiva venha a ocupar-se com elas. (3)

Com esse fundamento o Desembargador Federal Carlos Muta, do TRF 3, relatou acórdão que foi ementado do seguinte modo:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE A RENDA. VERBAS RESCISÓRIAS DE CONTRATO DE TRABALHO. NATUREZA JURÍDICA.
1. O pagamento de verbas rescisórias, em qualquer contexto que seja (rescisão ordinária de contrato de trabalho, ou por adesão a plano de demissão voluntária ou de aposentadoria incentivada), não acarreta a incidência do imposto de renda, se configurada a sua natureza jurídica de indenização.
2. O aviso prévio indenizado não sofre a incidência do imposto de renda, uma vez que é legalmente qualificado como verba isenta, independentemente da natureza da rescisão do contrato de trabalho.
3. A indenização adicional, qualquer que seja a sua denominação, não se sujeita ao imposto de renda, quando a causa do seu pagamento é a rescisão de contrato de trabalho e o seu objetivo essencial é compensar financeiramente tal situação, ainda que acima dos limites da lei, e mesmo que fora do contexto da adesão a plano de demissão voluntária. […]
(TRF3, AMS 304215, Processo nº 200661090025067, Rel. Desembargador Federal Carlos Muta)

Considerando os fundamentos apresentados, os artigos 6º, inciso V da Lei nº 7.713/1988 e 39, XX do Decreto nº 3000/1999 (“RIR/99”) contrariam o disposto nos artigos 153, III e 24, I da CRFB, subvertendo o conceito constitucional de renda ao tratar da isenção de indenizações em razão de despedida ou rescisão de contrato de trabalho pagas até o limite legal, quando tais indenizações, legais ou não, não sofrem a incidência de imposto sobre a renda por não serem “renda”.

5 – CONCLUSÕES

Desse modo, superados os óbices processuais e firmada a matéria fática necessária – especialmente a efetiva natureza indenizatória -, o Supremo Tribunal Federal poderá analisar a constitucionalidade da incidência do imposto de renda sobre indenizações pagas por mera liberalidade em caso de despedida ou rescisão de contrato de trabalho, com a finalidade de verificar a compatibilidade da norma infraconstitucional com o conceito constitucional de renda.

6 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E JURISPRUDENCIAIS

MACHADO, Hugo de Brito. Os princípios jurídicos da tributação na Constituição de 1988. 5ª Ed. São Paulo: Dialética, 2004. p.109-113.

CARRAZZA, Roque Antonio. Novas considerações sobre a intributabilidade, por via de imposto sobre a renda das férias e licenças-prêmio em pecúnia. Revista de Direito Tributário, São Paulo, v.55, p.156-161, 1991.

CARRAZZA, Roque Antônio. Imposto sobre a renda. 2ª Ed. São Paulo: Malheiros Ed., 2006.

STF, Rel. Min. Moreira Alves, Recurso Extraordinário 188.684 – São Paulo.

STF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Recurso Extraordinário nº 611.586 – Paraná.

STF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 422.944 – Minas Gerais.

STF, Rel. Min. Cezar Peluso, Repercussão Geral em Agravo de Instrumento nº 705.941 – São Paulo.

STF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 767.161 – São Paulo.

STF, Rel. Min Marco Aurélio Mello, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4661.

TRF3, Rel. Desembargador Federal Carlos Muta, AMS 304215, Processo nº 200661090025067.

NOTAS

(1) Nesse sentido: MACHADO, Hugo de Brito. Os princípios jurídicos da tributação na Constituição de 1988. 5ª Ed. São Paulo: Dialética, 2004. p.109-113.

(2) CARRAZZA, Roque Antonio. Novas considerações sobre a intributabilidade, por via de imposto sobre a renda das férias e licenças-prêmio em pecúnia. Revista de Direito Tributário, São Paulo, v.55, p.156-161, 1991.

(3) CARRAZZA, Roque Antônio. Imposto sobre a renda. 2ª Ed. São Paulo: Malheiros Ed., 2006. p.190.

Publicado pela FISCOSoft em 02/01/2014

Autor: Disponível em: http://www.fiscosoft.com.br/a/6c1k/a-inconstitucionalidade-da-incidencia-do-imposto-de-renda-sobre-indenizacoes-pagas-por-liberalidade-do-empregador-luiz-eduardo-de-almeida

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