Supremo Tribunal Federal: análise e tendências

Artigo Publicado em 02 de dezembro de 2014
por Luiz Eduardo de Almeida
Advogado e Professor

Disponível em: http://cursos.atualidadesdodireito.com.br/669/

Durante o ano de 2014 o Supremo Tribunal Federal consolidou posições e contornos de atuação que já vinham se construindo nos anos anteriores. Pretendemos tecer considerações e um panorama geral da atividade do Supremo Tribunal Federal e do seu impacto ao direito constitucional durante o ano de 2014, e, para isso, pretende-se abordar apenas alguns dos principais pontos, como a alteração da composição do plenário, da Presidência do Supremo e novas tendências, bem como pontos estatísticos do Supremo durante o ano, e, finalmente, pontuar algumas das relevantes decisões proferidas durante o ano. Não pretendemos esgotar os assuntos ou empreender minuciosas análises, que certamente são necessárias e relevantes para artigos com finalidades específicas.

Composição, presidência e tendências

Durante o ano de 2014 se repetiu uma tendência dos anos anteriores: o Supremo Tribunal Federal ocupou espaço de destaque nos noticiários em razão de decisões proferidas em relevantes questões que impactaram todo o Brasil.

Esse ano ocorreu o encerramento da Ação Penal 470, o caso “mensalão”, inclusive com a retirada de um advogado da tribuna do Supremo Tribunal Federal por ordem do seu então Presidente. E, pouco após, o pedido de aposentadoria do Ministro Joaquim Barbosa sucedendo-o na Presidência o Ministro Ricardo Lewandowski. Até o momento a vaga aberta pela aposentadoria do Ministro Joaquim Barbosa não foi preenchida, e não há indicação da Presidente da República para tal vaga.

Especialmente com a alteração da Presidência do Supremo Tribunal Federal, no dia 10 de setembro de 2014 o Ministro Ricardo Lewandowski tomou posse e discursou. Historicamente, nos discursos de posse os ministros apresentam sucintamente como eles vislumbram o papel do Supremo Tribunal Federal e indicam os rumos que entendem adequados para a Corte. Com o Ministro Lewandowski não foi diferente.

Em seu discurso fez referência às atuais discussões acerca do papel do Supremo e da “judicialização da política” e da “politização da justiça”, reforçando a proposta de “respeitar e fazer respeitar a independência e harmonia entre os Poderes, estimulando nos juízes a adoção da salutar atitude de self restraint, de autocontenção”, ou seja, “o Judiciário só deve atuar, para suprir eventual lacuna normativa ou inércia administrativa, em caráter excepcional e provisório, e apenas quando a decisão pretoriana se mostrar necessária e inadiável”.

Esta proposta caminha no sentido da consolidação de decisões proferidas pelo Supremo nos últimos anos em assuntos delicados envolvendo o controle judicial de políticas públicas, como por exemplo, (i) a implementação de políticas públicas especificamente quanto à suficiência de profissionais na área de saúde (RE 684612 RG / RJ – RIO DE JANEIRO, com Repercussão Geral, 06.02.2014), (ii) o custeio, pelo Estado, de serviços hospitalares prestados por instituições privadas em benefício de pacientes do sus atendidos pelo SAMU nos casos de urgência e de inexistência de leitos na rede pública (ARE 727864 AgR / PR – PARANÁ, 04.11.2014), (iii)  a determinação a um Estado para a designação de defensor público para prestar serviços de assistência jurídica gratuita aos hipossuficientes da Comarca determinada (AI 739151 AgR / PI – PIAUÍ , 27.05.2014), dentre tantos outros.

Há outros pontos relevantes destacados durante o discurso de posse. Como, (i) o compromisso com a celeridade mediante intensificação do uso de meios eletrônicos; (ii) o desestímulo às ações de índole temerária ou protelatória; (iii) a prioridade aos julgamentos de recursos extraordinários com repercussão geral, (iv) a facilitação e a ampliação da edição de súmulas vinculantes, (v) o estímulo aos meios alternativos de resolução de conflitos, e o (vi) o envio de um novo estatuto da magistratura ao Congresso Nacional.

Desse modo, tendo em vista o histórico de decisões e o discurso do novo Presidente da Corte, o Supremo Tribunal Federal tende a manter uma posição de intervenção excepcional em matéria de direitos fundamentais. Inclusive, sobre esse ponto, o Ministro Lewandowski foi enfático:“Não bastasse isso, o Judiciário, superando uma postura hermenêutica mais ortodoxa, que desvendava o Direito apenas a partir de regras jurídicas positivadas na Constituição e nas leis, passou a fazê-lo também com base em princípios, superando a visão tradicional que se tinha deles, considerados preceitos de caráter meramente indicativo ou programático. Os juízes começaram a extrair consequências práticas dos princípios republicano, democrático e federativo, bem assim dos postulados da isonomia, da razoabilidade, da proporcionalidade, da moralidade, da impessoalidade, da eficiência e da dignidade da pessoa humana, ampliando assim o espectro de suas decisões.”

Esse modo de agir do Judiciário se apresenta como forte tendência e verdadeira consolidação de decisões proferidas nos últimos anos.

Há tendência, também, de que o Supremo Tribunal Federal, por ação de agentes políticos, continue a decidir questões de grande relevância, extremamente controversas e de difícil solução, como ocorreu nos casos da fidelidade partidária, do financiamento de campanhas eleitorais, da greve dos servidores públicos, da pesquisa com células-tronco embrionárias humanas, da demarcação de terras indígenas, dos direitos decorrentes das relações homoafetivas, das cotas raciais nas universidades e do aborto de fetos anencéfalos, entre outros. A recente (27.11.2014) participação do Ministro Luiz Fux na mediação entre o Ministério Público Federal, a União, A Agência Nacional de Águas, o IBAMA, e os Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro na Ação Civil Originária 2.536, envolvendo a crise de abastecimento da água, especialmente sobre obras de infraestrutura a fim de reduzir os efeitos da crise hídrica que atinge atualmente a Região Sudeste, reforça essa tendência.

As tendências de atuação do Supremo podem ser aferidas por meios quantitativos e por meio qualitativo. No próximo item analisaremos as tendências sob o prisma quantitativo, ou seja, mediante a análise dos dados estatísticos disponíveis.

Estatísticas do Supremo Tribunal Federal

As estatísticas divulgadas pelo Supremo constituem importantes elementos a serem considerados na análise da sua atuação e no impacto das suas decisões na sociedade. É certo, porém, que tais números precisam ser interpretados para que possam ser úteis.

Segundo informações disponibilizadas pelo Supremo Tribunal Federal, de janeiro a 30 de novembro de 2014 foram protocolados e autuados 74.229 processos, sendo julgados 88.934.

Apenas em relação aos Recursos Extraordinários, foram protocolados 9.839, autuados 8.108 e julgados 11.313. De outro lado, os Agravos em Recurso Extraordinário (ARE) possuem grande representatividade numérica: foram protocolados 53.776, autuados 35.363 e julgados 60.145.

Com relação às questões com repercussão geral, foram decididos 28 temas de janeiro a 30 de novembro de 2014, impactando 15.957 processos nos Tribunais em todo o Brasil. Neste número são computados os julgamentos definitivos de repercussão geral, ou seja, aqueles em que há decisão pela inexistência de repercussão geral e julgamento de mérito proferidos em temas com repercussão geral reconhecida.

Os temas de repercussão geral que impactaram maior número de processos foram dois: o tema 350, ou seja o “prévio requerimento administrativo como condição para o acesso ao Judiciário”, cujo mérito foi decidido e que impactou 8.584 processos, e o tema 702, ou seja, “incidência do adicional por tempo de serviço (quinquênio) sobre a integralidade dos vencimentos de servidor público”, cuja repercussão geral foi negada e impactou 3.077 processos.

Nota-se, ainda, que foram proferidas mais decisões do que em 2013, o que talvez seja reflexo do julgamento do “mensalão” e do tempo de pauta que ele ocupou, já que os números de decisões proferidas em 2014 são próximos aos dos anos anteriores, especialmente de 2012.

A dedicação do Supremo a temas com repercussão geral e com grande repercussão na sociedade podem ser medidas em partes pelos números acima, já que apenas com eles não é possível realizar uma análise qualitativa de decisões específicas e os seus impactos na sociedade e no direito constitucional.

Porém, como se nota nos números, concordamos com a percepção do Ministro Lewandowski, quando ele afirmou em seu discurso de posse o compromisso de priorizar o julgamento de recursos extraordinários com repercussão geral reconhecida, já que proporcionalmente ao número de decisões e de processos ativos nos Tribunais, no ano de 2014, o impacto foi relativamente pequeno.

Dessa aferição parcial surge a necessidade da análise de decisões relevantes para a sociedade em geral e que impactam sobremaneira o próprio direito constitucional.

Seleção de relevantes decisões proferidas

Vários foram as decisões de grande relevância proferidas pelo STF durante esse ano, o que torna árdua e possivelmente falha a tarefa de selecionar apenas algumas delas neste breve artigo.

Os temas com repercussão geral decididos durante 2014 foram os seguintes:

Tema Nome do Tema Situação Processo Julgamento
18 Fracionamento de execução contra a Fazenda Pública para pagamento de honorários advocatícios. R.G. Mérito Julgado 30/10/2014
31 Exigência de garantia real ou fidejussória para impressão de documentos fiscais de contribuintes inadimplentes. R.G. Mérito Julgado 29/05/2014
82 Legitimidade de entidade associativa para promover execuções, na qualidade de substituta processual, independentemente da autorização de cada um de seus filiados. R.G. Mérito Julgado 14/05/2014
84 Exclusão do valor dos descontos incondicionais da base de cálculo do IPI. R.G. Mérito Julgado 04/09/2014
136 a) Cabimento de ação rescisória que visa desconstituir julgado com base em nova orientação da Corte; b)Creditamento de IPI pela aquisição de insumos isentos, não tributados ou sujeitos à alíquota zero. R.G. Mérito Julgado 22/10/2014
148 Individualização de créditos de litisconsortes para efeito de fracionamento do valor principal da execução contra a Fazenda Pública. R.G. Mérito Julgado 24/09/2014
155 Progressividade do IPTU antes da Emenda Constitucional nº 29/2000. R.G. Mérito Julgado 25/09/2014
156 Extensão da verba de incentivo de aprimoramento à docência prevista no art. 3º da Lei Complementar nº 159/2004 do Estado de Mato Grosso a professores inativos. R.G. Mérito Julgado 22/08/2014
166 Contribuição, a cargo da empresa, incidente sobre 15% do valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços desenvolvidos por cooperativas. R.G. Mérito Julgado 23/04/2014
177 Revogação, por medida provisória, da isenção da contribuição para o PIS e para a COFINS concedida às sociedades cooperativas. R.G. Mérito Julgado 06/11/2014
224 Imunidade tributária recíproca do responsável tributário por sucessão. R.G. Mérito Julgado 05/06/2014
277 Desvinculação do produto de arrecadação de contribuições sociais da União por Emenda Constitucional. R.G. Mérito Julgado 13/11/2014
278 a) Sujeição da contribuição ao PIS ao princípio da anterioridade nonagesimal;b) Contagem do prazononagesimal para fins de majoração de alíquota estabelecida por ocasião da conversão de medida provisória em lei. R.G. Mérito Julgado 12/02/2014
279 Natureza das leis n. 2.123/93 e 4.069/62 que garantem aos procuradores federais direito a férias de sessenta dias por ano. R.G. Mérito Julgado 20/11/2014
297 Incidência do ICMS na importação de mercadoria por meio de arrendamento mercantil internacional. R.G. Mérito Julgado 11/09/2014
299 Aproveitamento integral de créditos do ICMS pago na operação antecedente em hipóteses de redução parcial da base de cálculo na operação subsequente. R.G. Mérito Julgado 16/10/2014
308 Efeitos trabalhistas decorrentes de contratação pela Administração Pública de empregado não submetido à prévia aprovação em concurso público. R.G. Mérito Julgado 28/08/2014
314 Exigência de depósito prévio como requisito de admissibilidade de recurso administrativo. R.G. Mérito Julgado 25/09/2014
315 Aumento de vencimentos e extensão de vantagens e gratificações pelo Poder Judiciário e pela Administração Pública. R.G. Mérito Julgado 28/08/2014
323 Incidência do PIS sobre os atos cooperativos próprios. R.G. Mérito Julgado 06/11/2014
344 Incidência de contribuição previdenciária sobre a participação nos lucros da empresa. R.G. Mérito Julgado 30/10/2014
350 Prévio requerimento administrativo como condição para o acesso ao Judiciário. R.G. Mérito Julgado 03/09/2014
368 Incidência do imposto de renda de pessoa física sobre rendimentos percebidos acumuladamente. R.G. Mérito Julgado 23/10/2014
374 Aplicação do art. 109, § 2º, da Constituição Federal aos entes da Administração Indireta R.G. Mérito Julgado 20/08/2014
376 Cláusulas de barreira ou afunilamento em concurso público R.G. Mérito Julgado 19/02/2014
402 Imunidade tributária recíproca quanto à incidência de ICMS sobre o transporte de encomendas pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT. R.G. Mérito Julgado 12/11/2014
432

le@lealmeida.com.br

Luiz Eduardo de Almeida

Todos os direitos reservados.
Site Desenvolvido por DG.